terça-feira, 30 de junho de 2009

A instrução pelo Ministério Público é feita à maneira do inquérito policial inquisitório

A instrução pelo Ministério Público é feita à maneira do inquérito policial inquisitório

EM PROL DE MELHOR REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA PENAL EM CABO VERDE (I)

PEDRO ROGÉRIO DELGADO (Advogado)

Admitir que a estrutura do processo penal cabo-verdiano seja acusatória, significa que se está a remontar à antiguidade, com a nova roupagem. No mundo de hoje, só há que falar em fase processual mista: inquisitória e acusatória.

A Constituição de Cabo Verde prescreve que ela deve revestir-se essencialmente de estrutura acusatória, sob o princípio do contraditório, o que pressupõe que nos autos de processo em instrução, sob a forma ordinária, à semelhança do que ocorre em processos sob a forma especial: sumária, abreviada, v.g., se deve admitir a contraditoriedade dos meios de prova legalmente admissíveis em lei, sem o prejuízo de vigorar o princípio de segredo de justiça, em inquérito processual à maneira brasileira.

Sem que se ponha em causa a ideia de que o Ministério Público não deve ser parte processual como arguido perante o juiz, em prol da realização do princípio da igualdade de armas no processo penal, é de asseverar que, ainda que o MP seja fiscal da legalidade democrática, se faz necessário que em Cabo Verde, como acontece no direito anglo-saxónico e no direito positivo brasileiro, que a lei estipule que o MP deve ser parte processual, assim que for notificado do juiz para apresentar a sua Acusação (Denúncia), de forma a que ambos os sujeitos processuais tenham acesso, em pé de igualdade, ao conteúdo do processo.

Caso o legislador não altere ao novo CPP, de modo a que tenha tal estrutura, pode considerar-se que ela continuará a ser inquisitória em desconformidade com a decisão constitucional, o que legitimaria ao MP, enquanto fiscal da legalidade democrática, que crie uma jurisprudência no sentido de notificar o arguido, para que apresente os seus meios de prova, de sorte que ele, na qualidade de “custo legis”, produza a prova real, visto que achando que, não havendo prova bastante para o acusar, poderá ordenar o arquivamento dos autos, ou revés, não restará senão deduzir a Acusação contra o arguido por crime público, semi-publico ou privado.

Tudo, porque nessa altura, é que se a constituiria a relação jurídico-processual, com a notificação pelo tribunal de crime às partes processuais. Ainda que se julgue que o MP, enquanto autoridade judiciária, seja autónoma, ao mesmo nível da magistratura judicial, no exercício da titularidade da acção penal, em razão do princípio da separação de poderes, o certo é que a lei deveria preceituar que caberia ao juiz de instrução garantir-lhe o mesmo estatuto que a defesa, de forma a que houvesse no futuro Código de Processo Penal indígena, a contraditoriedade dos meios de prova, logo após a notificação da Acusação .

Assim sendo, o arguido solicitaria ao juiz a abertura da ACP, no prazo de 8 dias da notificação do referido acto processual emanado do MP, com vista à concretização do princípio constitucional do acusatório sem prejuízo de vir a verificar-se a obrigatoriedade da contraditoriedade da prova na audiência de discussão de provas e de julgamento, com a apresentação da sua Contestação, do despacho que designou o dia para a referida audiência de julgamento.

Mau grado, nesta fase de investigação criminal indígena, o processo penal não permitir esse debate processual entre as partes em pé de igualdade de armas, porque o seu carácter essencialmente inquisitório, ao contrário do que sucede no artº. 5, LV, da Constituição Federal do Brasil, em que se impõe a contraditoriedade na Instrução Criminal,. embora neste país que fala a mesma língua é inexigível o contraditório no inquérito policial.

É de salientar que o relatório do inquérito policial, à maneira brasileira, que não tem característica instrutória é normalmente remetido ao tribunal de crime, sem prejuízo do titular da acção penal MP requisitá-lo ou o juiz , de ofício , por provocação do ofendido relativamente ao crime semi-público ou de acusação particular (acção privada), enquanto não acção penal) ordenar à polícia judiciária que investigue o facto.

È claro que o MP, quando receba a requisição do Ministério da Justiça, com os meios de prova bastante, apresenta a Denúncia ao juiz do tribunal de instrução que, em caso de haver insuficiência dos indícios do facto, poderá solicitar à polícia judiciária que proceda à abertura do inquérito policial, por crime semi-público (acção pública condicionada), da mesma forma, relativamente à queixa (por crime semi-público) do ofendido.

O juiz faculta às partes (a acusação e a defesa) à consulta dos autos em instrução, assim que forem notificados o MP para deduzir a sua Denúncia, e a defesa para contestar, de sorte que ambas exercitem o contraditório, com base nos meios de prova fornecidos por elas. Nesse sentido, a decisão do STF, HC55.447.DJO.16.977, p.6281. No mesmo sentido, TACriminal. SP, RTS22/396 e 557/463).

No próximo artigo falaremos de algumas propostas no sentido de que o processo penal cabo-verdiano poderá ser mais acusatório do que inquisitório, sem o que continuará a ser o nosso Código de Processo Penal autoritário.

Pedro Rogério Delgado (advogado)

Quem sou eu

Minha foto
Mindelo, São Vicente, Cape Verde
Click na foto para + informações.