Recurso de Amparo Constitucional:
Que natureza jurídica, o seu objecto e o julgamento
PEDRO ROGÉRIO DELGADO
O legislador cabo-verdiano, partindo da lei do amparo espanhol, que complementa as normas que o consagraram na antiga Constituição de Espanha de 1976, criou o nosso recurso de amparo constitucional, enquanto “um novo mecanismo de garantia e de tutela dos direitos individuais dos cidadãos”, para usar a linguagem do conceituado governante luso que tutela a Administração Pública, António Vitorino. Todavia, o constitucionalista renomeando luso, Gomes Canotilho assegura que a declaração de inconstitucionalidade de normas ou por acção ou omissão pela justiça constitucional, com base nas quais se editaram actos ou omissões de poderes públicos que violem um direito fundamental, nos processos de fiscalização concreta ou abstracta de normas- dito de outro modo.
Nessa ordem de razoes, pode afirmar-se apriori que não deveria falar-se em necessidade de implementação em Cabo Verde de um recurso de amparo, à maneira espanhola, se a acção directa de inconstitucionalidade por acção ou por excepção de inconstitucionalidade, são instrumentos de defesa de que o indivíduo se poderia valer em alternativa ao recurso de amparo, que visa à anulação dos actos ou omissão dos poderes públicos, lesivos de um direito individual reconhecido constitucionalmente.
O constitucionaliza brasileiro, actual Presidente do STF do Brasil, Gilmar Ferreira Mendes, ao falar sobre a arguição de descumprimindo do preceito fundamental, enquanto o meio de impugnação subsidiário, à semelhança do recurso de amparo, entende que a natureza subsidiária da ADPF deve ser encarada sob o prisma das outras acções de controle concreto de constitucionalidade:
"Assim, tendo em vista o carate acentuadamente objectivo da arguição de descumprimento, o juízo de subsidiariedade há de ter em vista, especialmente, os demais processos objectivos já consolidados no sistema constitucional. Nesse caso, cabível a acção directa de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade, ou, ainda, a acção directa por omissão, não será admissível a arguição de descumprimento. Em sentido contrário, não sendo admitida a utilização de acções directas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla e geral e imediata, há de se entender possível a utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental." (21)
Argüição de descumprimento de preceito fundamental:análise à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal FederalElaborado em 04.2002. |
Luiz Henrique Sousa de Carvalho procurador do Estado de Goiás, professor de Direito da Universidade Salgado de Oliveira |
Partindo da Constituição de Espanha de 1976, que tomou por objecto actos jurídicos ou omissões dos tribunais que violem direitos e liberdades fundamentais e normas relativas ao direito de objecção de consciência para o exercício do serviço militar, o legislador constituinte fez bem por o ter criado, nos termos do artº. 21/1 da nossa Constituição, embora a sua complementação pela lei ordinária não satisfaz aos anseios do cidadão, por ter imposto pressupostos objectivos de admissibilidade do recurso perante o Tribunal Constitucional, diversos dos exigidos constitucionalmente que inviabilizem a concessão de amparo de um direito fundamental reconhecido constitucionalmente.
Embora não se tenha consagrado a figura jurídica da acção directa de inconstitucionalidade por omissão, como sucede na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e da Lei Fundamental de 19476 de Portugal, pode entender-se que o recuso de amparo constitucional funciona como o mecanismo de controle concreto de normas, à maneira do mandado de injunção brasileiro, consistindo em que o individuo/jurisdicionado pode pedir ao TC que ordene o Governo ou Assembleia Nacional a tomar medidas legislativas ou regulamentares de complementação de lei que tornem viável o exercício de um direito individual (1).
Com efeito, o renomeando publicista brasileiro, Prof. José Oliveira Baracho, da Faculdade de Direito da UFMG, Brasil, que leccionava a Cadeira de Teoria da Constituição, nos ensinava que, ex vi de norma constitucional que atribui aos tribunais o poder de apreciar a constitucionalidade, cabe ao TC, ex oficio, ou por provocação do cidadão/jurisdicionado, o poder/dever de suscitar o incidente de inconstitucionalidade, de forma que declare a norma de inconstitucionalidade ou de ilegalidade de lei com valor reforçado superior), nos processos de fiscalização concreta de normas.
A verdade é que o juízo de admissibilidade do recurso deveria ser feito pelo Presidente do TC e não pela Conferência, de molde a garantir ao cidadão o direito de recurso do despacho que inadmite o recurso de amparo, sob pena de violação do direito de acesso (artº. 21 da nossa Carta Constitucional), sob pena de inconstitucionalidade, e uma vez admitido o recurso, caberá à Conferência julgar o mérito da causa, que no caso “sub judice” não é mais do decidir se será ou não concedido ao individuo o amparo de um direito fundamental reconhecido constitucionalmente.
No entanto, a Lei do Amparo, aprovado pela Lei nº. 109/IV/94 de 24 de Outubro, outorga competência ao TC para que, através de Acórdão, ordene a remessa do processo para o Procurador Geral da República (PGR) para interpor acção directa de inconstitucionalidade de normas ou de resolução, em que se fundou o acto que viola o direito, liberdade e garantia fundamental reconhecido constitucionalmente.
Se essa for a vontade do legislador ordinário, ainda que afronte ao artigo ...da CR (apreciação oficiosa da constitucionalidade, pode cogitar-se, se seria possível que o PGR promove o recurso constitucional, para que a decisão tenha eficácia obrigatória geral (erga omnes), expurgando-se assim da ordem jurídica a norma eivada de ilegitimidade constitucional ou legal em questão.
Pois, a lei de amparo ao atribuir ao PGR a legitimidade para desencadear o processo de fiscalização concreta, nesse sentido, significa que se legitima a substituição do Recurso de Amparo Constitucional pelo recurso constitucional (via de excepção de inconstitucionalidade, caso o TC tenha declarado anteriormente a inconstitucionalidade da mesma norma em processo de fiscalização concreta, visto que só se recorre da sentença do juiz a quo que aplica ou desaplica norma, com fundamento em inconstitucionalidade de norma ou de resolução com conteúdo normativo ou concreto e individual, emanados do Governo ou da Assembleia Nacional.
Já em relação à fiscalização abstracta de normas, o PRG tem legitimidade activa para através de um requerimento dirigido directamente ao Tribunal Constitucional, pedindo ao TC que aprecie a inconstitucionalidade de norma ou de resolução, por acção, com eficácia obrigatória geral, na ideia de que o processo de recurso de amparo interposto pelo indivíduo, logo após o esgotamento do recurso ordinário, em que não foi reparada a violação praticada pelo STJ, ficará suspenso, até que o TC declare a inconstitucionalidade, com as consequências da nulidade do acto ilegal e lesivo de um direito individual; e tratando-se de omissão legislativa ou de regulamento administrativo, obviamente, convocará o autor do acto legislativo ou normativo que tome medidas com vista a tornar normas exequíveis que viabilizem o exercício de um direito legal e constitucionalmente protegido.
Tratando-se de actos jurídicos que o violem em decorrência do cumprimento de normas e de resolução enformadas de inconstitucionalidade ou ilegais por omissões parciais, cabe ao TC declarar a sua ilegitimidade, em processo de fiscalização abstracta de normas, sem o prejuízo de informar aos sujeitos processuais dos autos do recurso de amparo das medidas que devem ser tomadas pelo autor do acto legislativo ou normativo, no sentido de reparar a violação praticada”, ora invocada, implícita ou expressamente, visando a resolução da questão material controvertida em processo administrativo ou judicial.
(Advogado)