terça-feira, 14 de abril de 2009

CABO VERDE: - A LINGUAGEM - 0I




CABO VERDE: - A LINGUAGEM - 0I


Sendo ponto assente que a pressa é inimiga da perfeição, aliás, basta ter presente as intermináveis e pouco reflectidas reformas do sistema educativo, principalmente no que concerne à via técnica, realizadas, a coberto de uma filosofia, à partida, de insucesso, sintetizada na expressão Reforma da reforma, que tomou foros de remendo, de cariz institucional, destinados a tapar os buracos e os erros sucessivos cometidos nas ditas e pouco reflectidas reforma e Reforma de reformas, para que salvaguardemos o País de ERROS maiores em relação a um acontecimento da maior importância para o futuro das gerações jovem e vindouras, como o da institucionalização da utilização oficial da língua pátria, que deverá funcionar como uma importante ferramenta do processo do desenvolvimento da Nação, no seu todo, ao mesmo tempo que deverá constituir-se num factor de coesão interna da maior grandeza.


Há que conseguir ver a relação uterina existente entre as variantes da língua nacional e a língua portuguesa e, a partir daí, estudar e compreender os fenómenos que deram lugar às diversas variantes que, embora de natureza análoga, têm passado algo despercebidos por aqueles que, de algum modo, vêm se debruçando sobre a problemática da língua cabo-verdiana, o que não deixa de se constituir em obstáculo maior no tocante ao entendimento da realidade linguística cabo-verdiana.


O manancial léxico encontra, quase toda ela, a sua origem no português, quer nortenho, quer alfacinha, principalmente, dependendo da área geográfica do arquipélago em consideração. Atroca” do “v” pelo “b”, por exemplo, em Santiago, é disso ilustração (baka, binho, kabalu, bentu, correspondentes a vaca, vinho, cavalo e vento, em português), enquanto que em São Vicente se absorvia, por inteiro, o termo vaca, mas impondo transformações mais ou menos substanciais aos restantes termos, dando lugar aos homólogos são-vicentinos, vin, kavól, e vent, respectivamente.


Mesmo, termos que aparentemente se distanciam do português, encontrarão nela a sua origem, como por exemplo “txeu”[tcheu] derivará de muito cheio, expressão portuguesa, (no sentido de demasiado). O fenómeno será um pouco mais complexo processando-se por fases. Uma primeira abordagem nos conduzirá ao seguinte:


- o termo cheio terá sido absorvido no léxico nativo, considerando a variante de São Vicente, deixando cair o grafema terminal “o” sendo assimilado na linguagem, então, nascente, o remanescente, i.e., “xei”[chei], fenómeno esse que se verificou, igualmente, em Santiago, em que um exemplo bem ilustrativo será o da absorção do termo água, tento, de igual modo, caído o último grafema, sendo assimilado, assim, apenas o remanescente, dando lugar ao termo cabo-verdiano “águ” [água].


Curiosamente, em São Vicente dar-se-ia um fenómeno um pouco diferente, em relação à absorção do termo água, em que cai um grafema intermédio, o “u”, assimilando-se o remanescente, ou seja “ága”[água], fenómeno que leva a designação de síncope ou síncopa.



- o termo muito, sofre um duplo fenómeno que se traduz na queda do grafema intermédio, o “i”, e o terminal, “o”, sendo absorvido o remanescente, ou seja, “mut”[muito].


- começar-se-á, de seguida, a utilizar a expressão “mut xei” [mut chei], i.e., muito cheio.


- dá-se, a seguir, a fusão dos termos cabo-verdianos “mut” e “xei”, surgindo assim um novo termo “txei” [tchei], tendo agora lugar um novo fenómeno, que se traduz a um tempo na queda dos grafemas antecedentes ao último pertencentes ao primeiro termo da expressão, sendo esse absorvido por fusão pelo termo não alterado (termo forte ou dominante).Entretanto, é curioso constatar, que, contrariamente ao que seria de esperar, o novo termo não assimila o significado da expressão que lhe dá origem, mas, e outro sim, encarna o significado do termo dominante, agora, potenciado pela inclusão do "t" representativo de "mut" [muito]. Surge, assim, um sinónimo do termo “xei” [chei], correspondente ao termo cheio português.

Esse facto terá dado lugar a um fenómeno de indução fonética passando o novo som tch a ser percebido e utilizado de forma generalizada como o adequado para substituir o som ch português, salvo algumas excepções.


- por último, tendo-se, em definitivo, estabelecido a correspondência entre o grupo ch, português e o grupo tch cabo-verdiano, dá-se a absorção dinâmica do termo cheio, português, na linguagem nascente, com o recurso à metamorfose do ch em tch, à sincope (queda do “i”, intermédio) e à aplicação do princípio um fonema um grafema, pela substituição do “o” terminal (cheio), no grafema (letra) “u”, à qual toma “de empréstimo” o som, obtendo-se a nova palavra cabo-verdiana, tcheu com o significado de demasiado, guardando, por arrastamento, o significado de muito.


Dito de outro modo, dá-se a génese de, quiçá, de novas regras de apropriação dos termos portugueses, que se define por um certo “judismo” linguístico (de judo, passe o termo), caracterizado pela absorção da força imperial da língua portuguesa de antanho, a qual, no processo, é criativamente transformada e enriquecida dando lugar, paulatinamente, a uma nova forma de se comunicar, logo, a uma nova linguagem, a língua cabo-verdiana.


Note-se que esse processo assume um carácter natural e universal, sendo a forma cultural mais significativa de resistência pacífica dos povos alguma vez subjugados, por não apenas marcar a diferença entre si e o poder estrangeiro dominador, mas também pelo sinal de vitalidade, união, e inequívoca determinação de se demarcar como entidade autónoma frente ao poder reinante, ao mesmo tempo que cria as condições de intercâmbio necessária a gestação de uma estratégia comum, rumo à sua integral libertação cultural, política e económica.


O princípio da harmonia fonética, umbilical a qualquer sistema linguístico, estabelece, a um tempo, as balizas e garante a coerência das regras de absorção por transformação, sempre que a sua aplicação se mostra coerente com o sistema. Nos casos adversos adopta-se o princípio da absorção pura, passiva, i.e., sem quaisquer modificação, de que constitui exemplo bastante as palavras amor, saúde, bom, mau, mal, rei, rainha, quintal, laranja, pêra, côco, banana, rua, pedra, areia, fita, corda entre outras. A coerência do sistema mantém-se, não obstante, o papel de língua subsidiária que o português sempre desempenhou e que certamente continuará a desempenhar, por tempo indefinido, em relação à língua cabo-verdiana. Este facto é, e deverá continuar a ser, um factor de uma cada vez maior aproximação entre os dois povos e não o inverso, e um estímulo muito forte ao estudo generalizado e aprofundado da língua portuguesa, língua que Amílcar Cabral terá valorado como o principal, o mais significativo, legado resultante do período colonial.


Tendo sempre em atenção as regras, há que, no entanto, identificar, de igual modo, as excepções as mesmas, para que se possa obter uma adequada compreensão no tocante às situações em que são concretamente aplicáveis.


Exemplos de absorção dinâmica do som ch como sejam:

Ch pt passa tch cv como em chumbo ~ tchumb (sv)

Chora ~ tchóra (st), tchorá (sv)

Chuva ~ tchuba(st), tchuva (sv)


Exemplos de absorção passiva do som ch como sejam:

Ch pt mantém-se ch cv como em chuveiro ~ chuver (sv)

Chacal ~ chacal (sv)

Chaminé ~ chaminê (sv), ….


As variantes da língua cabo-verdiana têm sido objecto de transmissão oral, no essencial, de forma livre, ou seja, é ensinada à medida dos conhecimentos não testados de cada familiar, companheiro, cidadão.


Torna-se, assim, necessário, a nosso ver:


- conhecer melhor as demais variantes ou aconselhar-se melhor;


- um alfabeto que se quer fonológico, despido dos elitismos etimológicos, fastidiosos, irracionais à luz da lógica fonológica que deve nortear a nossa comunicação escrita, tornando-a prática e verdadeiramente funcional, portanto mais apetecível e propícia à aprendizagem, sendo de todo imperativo, que o mesmo fonema (som), seja invariavelmente, representado pelo mesmo grafema (letra), como por exemplo o som “"ge"” na palavra {{ {giro} }} com recurso a letra ‘"j"’ e o som “"ch"” como em {{ {xarope} }}, sempre por ‘"x"’;


- um dicionário cabo-caboverdiano (não bilingue, subentende-se) de autor(es) cabo-verdiano(s) compreendendo as variantes principais;


- um dicionário de sinónimos (abrangendo todas as variantes);


- uma gramática compreendendo as principais variantes;


- um manual de leitura da língua cabo-verdiana para, pelo menos, cada ciclo de ensino.


Ora, todos esses aspectos e elementos deverão ser objecto de tratamento antes de se proceder a qualquer espécie de oficialização.


Deve-se ter sempre presente que as variantes da língua cabo-verdiana não estão sujeitos a expedientes políticos, bem assim os naturais de qualquer das ilhas que formam o todo, Cabo Verde, por isso não se deve confundir a criação de condições para o início da comunicação escrita na língua nacional (suas variantes) com base num alfabeto unificado, como um expediente para se impor uma variante, pela via administrativo-legal aos não falantes, o que seria comprometer, à partida, o sucesso do processo de harmonização, naturalmente, em curso.

Deve-se, isso sim, deixar ao POVO a nobre tarefa de criar, na harmonia e sem pressa, a variante harmonizada que, muito naturalmente, e sem imposições desnecessárias e duvidosas quanto aos objectivos pretendidos, contribuirá para uma maior coesão da Nação.


A variante harmonizada, por essa via, alcançará, naturalmente, o estatuto de nacional, devendo surgir, não por obra e “graça" de nefastos expedientes políticos, mas através do correcto processo de sã convivência entre os cabo-verdianos, assumindo característica de gesta maior do Povo e por maioria de razão deverá ser, igualmente, fruto do concurso abnegado, sério e patriótico dos intelectuais desta Grei.


By Nuno Paris.

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