É necessário que a Polícia lavre bem o Auto de Notícia em processo sumário sob pena de nulidade
O Diálogo com a Justiça por uma melhor Justiça Penal
PEDRO ROGÉRIO DELGADO
Achei por bem que a Procuradoria Geral da República tenha suscitado uma Questão Prévia, em seu parecer, em processo sumário de recurso para o STJ, movido ao Ivan R.G., segundo a qual a falta de Acusação do Ministério Público (MP) constitui nulidade insanável, do artº. 151, do Cód. de Proc. Penal, por não o ter feito no seu exercício da acção penal se ter limitado a emitir um despacho no rosto de Auto de Notícia, da Polícia, que seja submetido ao julgamento pelo tribunal - do Código e Processo Penal em vigor – dito de outro modo.
Esta tese foi acolhida pelos 3 juízes-Conselheiros do Supremo, Raul querido Varela, Helena Barreto e Anildo Martins, que decidiram, em Acórdão, pela nulidade do julgamento, com fundamento em que se violou as normas relativas à iniciativa do Ministério Público no exercício da acção penal.
Assim sendo, foi prejudicado o conhecimento do Mérito da causa, no sentido de se saber se o recorrente teria cometido o facto constante do Auto de Notícia em causa, revela o Acórdão do Supremo, enquanto tribunal de facto e de direito, o que significa que a sua liberdade foi restituída.
No entanto, deve assegurar-se que deflui daí que o MP corrigiu o próprio erro processual em sede “recursal”, enquanto fiscal da legalidade democrática (custo legis), não obstante inicialmente ter exercido a titularidade da acção penal que lhe é confiada pela Constituição de 92 em vigor.
O que vislumbra sinais de a nossa Justiça poderá ter uma boa caminhada, se e na medida em que o anterior “colegiado” do STJ não se preocupava com questões prévias do género levantadas pelos arguidos/réus, a não ser que sejam julgadas, legais e justas, quando suscitadas pelos agentes do Estado/MP ou Estado/Juiz.
No caso concreto, é de entender-se que não se deveria falar, data vénia, em falta de Acusação em processo sumário, quando um órgão de polícia criminal apresentar ao MP em tempo útil o Auto de Notícia em flagrante delito, visto que funciona como Acusação do Ministério Público, ex vi do artº. 63/3 do C.P.P..
Pois, não me parece que andou mal o Procurador da República da Comarca de S. Vicente, ao emitir despacho no rosto do Auto de Notícia, afirmando que “…para o julgamento”, a não ser que não tivesse aposto nele as disposições aplicáveis pelas quais o arguido foi submetido ao julgamento, como nulidade sanável, do artº 152 do C.P.P.
Ora, entende-se, salvo melhor opinião, que a conversão do Auto de Notícia, emanado de um órgão de polícia criminal em Acusação do MP só pode dar-se quando o processo correr sob a forma ordinária, na qual o Procurador da República deverá indicar os factos e as disposições aplicáveis, sob pena de considerar-se nula a acusação.
Infelizmente, arguidos/réus em outros processos semelhantes não têm visto a declaração de nulidade insanável, quando não o faça no Auto de Notícia, da PJ ou da PN, em obediência às decisões da lei processual penal em vigor.
Todavia, espera-se, data vénia, que o novo Ministério Público e o Supremo Tribunal de Justiça preocupam-se também com as questões prévias suscitadas pelo arguido desde à nascença de um processo-crime, de sorte que se faça a justiça.
A título de exemplificação, destacam-se questões prévias que obstam ao conhecimento do mérito: “despachos do juiz que designam o dia para audiência do julgamento sem que identifiquem os factos e disposições aplicáveis, cominados de nulidade, se não tiverem feito remissão para a acusação ou para a pronúncia; despachos que pretirem a forma processual (v.g. sumário para o ordinário), ao mesmo ordenando a baixa dos autos para o Ministério Público em busca de melhor prova, como no antanho (proibida pelo novo C:P.P), os quais desafiarem recurso para o Supremo, visto que põem termo ao processo-crime; a convolação de um acto de detenção informal pelo mandado de detenção pelo Ministério Público; pedido de autorização ao juiz pela Polícia, no lugar do MP, para efectuar busca em casa de um suspeito, por violação de normas de competência das autoridades e agentes policias, sem que o (MP) inicie o acto de instrução, por via de identificação do processo-crime em Instrução.
Pois, são questões que devem ser vistas a partir de agora, data vénia, com a imparcialidade e independência na função judicial, para que não haja divergências jurisprudências em razão dos ditames da lei e da Constituição em vigor. Julga-se que os outros operadores da justiça em sentido amplo, agentes de órgãos de polícia criminal e advogados devem lutar em prol de melhor realização da nossa administração da Justiça indígena. Quanto melhor for a Justiça, menos pressão sofrerão os nossos magistrados por parte de quem lhes confiou – o Povo, essa tarefa. Não há dúvidas de que as decisões do Estado devem ser controladas pela sociedade civil e política.
by Pedro Rogério Delgado, Advogado e membro da Ordem dos Advogados de Cabo Verde